sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A Ilha Desconhecida: resumo, análise e critíca social


ANÁLISE DA OBRA: O CONTO DA ILHA DESCONHECIDA

*Janete da Costa Becker

**Maria Alice Braga

RESUMO

A leitura da obra O conto da ilha desconhecida de José Saramago, possui um texto curto, mas é suficiente para transportar o leitor para terras distantes e mundos de simplicidade mágica, onde transforma palavras em imagens que suscitam diversas visões e associações à vivência do leitor, fazendo-o questionar as relações entre ficção e realidade. A busca de uma ilha que não consta em nenhum mapa, tem por trás do seu relato a maneira de como lidamos com o desconhecido, mostrando o retrato do ser humano, suas condições, pensamentos e buscas.

Neste conto percebemos o percurso de um personagem em busca do conhecimento e da compreensão de si próprio através da sua luta num determinado espaço social, onde existem regras que entram em contradição com seus sonhos e aspirações mais profundos, que poderão se concretizar pela possibilidade de ação do personagem, que é o agente da sua transformação.

 

1.3 RESUMO DA OBRA: O CONTO DA ILHA DESCONHECIDA

O conto inicia com um homem do povo que foi bater à porta do rei e fazer-lhe um pedido inusitado que movimenta todas as esferas burocráticas vigentes no palácio, queria um barco, e não um qualquer, o seu tinha que ser capaz de navegar mar afora para achar ilhas desconhecidas. O rei, a princípio, não atendeu a solicitação (primeiro dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que queria o impetrante, este chamava o segundo-secretário, que chamava o terceiro, que mandava o primeiro ajudante, que por sua vez mandava o segundo, e assim até chegar à mulher da limpeza, a qual não tinha ninguém para mandar), mas dessa vez foi diferente, o autor do pedido insistiu em permanecer na soleira da porta das petições por três dias seguidos, então o rei achou melhor sair da porta dos obséquios e ir pessoalmente resolver o assunto. O homem que queria um barco estava determinado em alcançar o seu objetivo e foi firme em responder ao rei o que queria. Aspirantes à liberalidade do trono que por ali andavam e a mulher da limpeza do palácio espiavam este corajoso homem que deixara o rei desconcertado, fazendo-o sentar-se na cadeira de palhinha da mulher da limpeza. Ninguém acreditava que havia alguma ilha desconhecida, pois todas já estavam nos mapas e pertenciam ao rei, mesmo assim, resolveram intervir a favor do homem, mais para se verem livres dele do que por solidariedade. O rei preocupado com o tempo que estava perdendo, concordou em dar-lhe o barco, mas sem a tripulação.

Assim que o homem partiu, a mulher da limpeza resolveu sair pela porta das decisões, que é raro ser usada, e seguir o homem até o porto. Ele nem desconfiava que já levava atrás de si uma tripulante. Chegando ao porto, pediu que o capitão lhe desse um barco que ele respeitasse e pudesse respeitá-lo para levá-lo em busca de sua ilha desconhecida, onde nunca ninguém já tenha desembarcado e que ele reconhecerá e saberá qual é quando lá chegar. O capitão deu-lhe um barco com experiência, ainda do tempo em que toda a gente andava a procura de ilhas desconhecidas. O homem saiu para recrutar a tripulação enquanto a mulher da limpeza cuidava da faxina do barco. O sol havia acabado de sumir no oceano quando o homem que tinha um barco voltou para o cais sozinho e cabisbaixo, pois não encontrou quem quisesse sair do sossego dos seus lares e da boa vida para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um impossível. Mas o homem insistia em alcançar seu objetivo, desejava encontrar esta ilha, sabia que ela existia, assim como sabe que o mar é tenebroso, apenas não a conhecia, e quando nela estivesse sairia de si e saberia quem realmente era, porque às vezes, é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não sairmos de nós mesmos.

Os dois conversavam enquanto comiam a comida que o homem havia trazido, depois acharam melhor irem dormir. O homem reparou na beleza da mulher da limpeza que pensava que este só tinha olhos para o barco. Naquela noite o homem ficou a imaginar se ela já dormia, depois imaginou que estava à procura dela e não a encontrava e que estavam perdidos num barco enorme.

O sonho muda às proporções das coisas e a sua distância, separa as pessoas, e elas estão juntas, reúne-as, e quase não se vêem uma à outra, a mulher dormia a poucos metros e ele não sabia como alcançá-la, quando é tão fácil ir de bombordo a estibordo.

Tinha-lhe desejado felizes sonhos, mas foi ele quem levou toda a noite a sonhar. Sonhou que a sua caravela ia ao mar alto, abrindo caminho sobre as ondas, enquanto ele manejava a roda do leme e a tripulação descansava à sombra.

Buscou com os olhos a mulher da limpeza e não a viu, e ele bem sabia, embora não entendesse como, que ela, à última hora, não quis embarcar, porque pensava que ele só tinha olhos para a ilha desconhecida, e não era verdade, agora mesmo os olhos dele estavam a procurá-la e não a encontravam.

Os marinheiros resolveram descer na primeira terra povoada que lhes apareceu, o homem do leme assistiu a debanda em silêncio, não fez nada para reter os que o abandonavam.

Acordou abraçado à mulher da limpeza, e ela a ele, confundidos os corpos, e ao nascer do sol o homem e a mulher foram pintar na proa do barco, em letras brancas, o nome que ainda faltava dar a caravela. Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma.

1.4 CRÍTICA SOCIOLÓGICA

Neste conto da Ilha Desconhecida há momentos de profundidade que aparentam superficialidade. Os personagens são muito mais uns retratos de suas funções sociais do que de suas características físicas. Assim, o personagem principal, o desbravador de ilhas, é caracterizado apenas como o homem que queria um barco, o homem que tinha um barco ou o homem do leme, e a sua companheira como a mulher da limpeza, mas no decorrer da história, a aparente simplicidade dos personagens se contrasta com a profundidade de seus pensamentos. Talvez a iniciativa de recorrer às funções dos personagens, marcando sua posição hierárquica, transpareça no enredo como uma articulação necessária para retratar a sociedade resultante de um sistema marcado pelas desigualdades.

Logo no início do conto aparece a questão da hierarquia social, que vai do rei (topo do poder) que estava sempre ocupado na porta dos obséquios porque estes eram bem vindos, enquanto as petições não eram resolvidas, passa por vários outros subordinados até chegar à mulher da limpeza, (essa burocracia nos serviços mostra um governo distante de seu maior objetivo: promover o bem estar do povo), e no momento em que o homem “manda” chamar o rei, e este atende (mais por curiosidade), começa um desmantelamento desta hierarquia. Quando o rei, desconcertado por causa do “atrevimento” do homem, se senta na cadeira de palhinha usada pela mulher da limpeza, que era muito mais baixa e desconfortável que o trono, passa a haver uma igualação do rei com um homem do povo, representado aí pelo homem do barco. O homem estava diante de uma ordem social pronta para dizer não, mas ele apresentou bons argumentos e, no momento em que o rei disse que não daria o barco, ele, com firmeza e convicção, falou: “Darás”. O rei percebeu que aquele homem era como um instrumento que poderia causar transformações sociais, ainda que primeiro ao plano pessoal, mas, posteriormente, com uma inclinação perceptível ao coletivo, por isso, diante da pressão popular e para evitar maiores aborrecimentos, consentiu com o pedido, assim continuou com a coroa na cabeça, sendo O Rei. O poder de convencimento do homem em relação à autoridade real foi tão contundente quanto sua certeza da existência da ilha. Percebemos que para iniciar o processo de descoberta e transformação é necessário que o homem derrube algumas barreiras, até mesmo aquelas que parecem estar muito acima dele.

Após a quebra do obstáculo da posição social vem a parte mais difícil de sua jornada: a busca da ilha desconhecida. Saramago, através desse conto faz uma metáfora da necessidade de fazermos a nossa própria viagem em direção a nós mesmos, traz o passado até nós, lembrando o período das grandes navegações para representar o sentido das descobertas humanas, a busca de si mesmo, de seu mundo interior, ir onde nenhum outro jamais esteve e descobrir verdades profundas escondidas na alma. E seja lá onde se consegue ir, mesmo se a viajem for bruscamente interrompida pela morte, a algum lugar se chegou.

“Sim, às vezes naufraga-se pelo caminho, mas, se tal me viesse a acontecer, deverias escrever nos anais do porto que o ponto a que cheguei foi esse, Queres dizer que chegar sempre se chega,...” (SARAMAGO, 1998, p.27).

O homem do barco procurou ajuda de marinheiros, mas ninguém quis ajudá-lo, porque sair de suas vidas tranquilas e se meter à procura do “impossível”, enfrentar o mar tenebroso, é tarefa difícil, é necessária muita coragem e obstinação para ser um aventureiro que desbrava novas terras. Mas ele conta com a ajuda de uma mulher (a mulher da limpeza), que resolve sair do palácio pela porta das decisões e passa a acompanhá-lo nesta busca. “Pensou ela que já bastava de uma vida a limpar e a lavar palácios, que tinha chegado à hora de mudar de ofício, que lavar e limpar barcos é que era sua vocação verdadeira, no mar, ao menos a água nunca lhe faltaria” (SARAMAGO, 1998, p.24).

Já sabia ela que precisamos estar longe de nós mesmos para podermos enxergar melhor nossa natureza, e que só assim venceremos os obstáculos do caminho humano, por isso troca sua rotina enfadonha por uma viagem poética em busca de seus sonhos A obsessão do homem contagia de forma simplista a sensibilidade feminina.

Também é apresentado no texto um processo de recomeço e de renovação, no qual aparece o sonho não como um sonho qualquer, mas nos mostrando que é preciso navegar para além do real, resistindo às adversidades para que nos tornemos aptos para obter a concretização deste sonho e possamos ancorar em porto seguro.

Todos estes fatores que vão das adversidades até o “navegar para o além do real” permite a aproximação entre o “homem do barco” e a “mulher da limpeza”, “Acordou abraçado à mulher da limpeza, e ela a ele, confundidos os corpos” (SARAMAGO, 1998, p.62), pois do sonho surge o amor, e do amor à força para enfrentar os pesadelos. A partir daí os dois passaram não somente a fazer descobertas exteriores, mas foi o começo da descoberta de si mesmo.

Sabiam eles, agora, que um completaria o outro, que a compreensão das verdades mais profundas, escondidas na alma (como uma ilha) seria possível.

Tanto assim é, que eles nomearam o barco que o rei lhes havia dado de “Ilha Desconhecida”, e esta se lançou enfim ao mar, a procura de si mesma, mostrando que ainda havia muitas descobertas a serem feitas.

CONCLUSÃO

O homem vive uma eterna busca por melhores condições de sobrevivência, e muitas vezes criamos necessidades artificiais, mudando o foco e o sentido de nossas vidas. Este texto permite-nos refletir sobre nossa conduta e a dos outros frente às necessidades e adversidades, dando-nos condições de nortear nossa vida em sociedade, pois percebemos que não há um tempo determinado para encontrarmos o lugar desejado, só precisamos da resolução de que podemos ir ou ficar e, às vezes, precisamos sair de nós mesmos para encontrarmos o tão almejado.

O lançar-se ao mar para navegar é o avançar para vida, buscando alcançar seus objetivos e metas, às vezes tão próximas, contudo, não enxergamos por nossa incapacidade pessoal de percepção do desconhecido.

O texto sugere a formação de uma identidade aberta que é percebida como possibilidade de criação de novas identidades, produzindo sujeitos capazes de articular um processo coletivo, que reclama por transformações sociais num futuro indefinido.

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