
ANÁLISE DA OBRA: O CONTO DA ILHA
DESCONHECIDA
*Janete da Costa Becker
**Maria Alice Braga
RESUMO
A
leitura da obra O conto da ilha desconhecida de José Saramago, possui um texto
curto, mas é suficiente para transportar o leitor para terras distantes e
mundos de simplicidade mágica, onde transforma palavras em imagens que suscitam
diversas visões e associações à vivência do leitor, fazendo-o questionar as
relações entre ficção e realidade. A busca de uma ilha que não consta em nenhum
mapa, tem por trás do seu relato a maneira de como lidamos com o desconhecido,
mostrando o retrato do ser humano, suas condições, pensamentos e buscas.
Neste
conto percebemos o percurso de um personagem em busca do conhecimento e da
compreensão de si próprio através da sua luta num determinado espaço social,
onde existem regras que entram em contradição com seus sonhos e aspirações mais
profundos, que poderão se concretizar pela possibilidade de ação do personagem,
que é o agente da sua transformação.
1.3
RESUMO DA OBRA: O CONTO DA ILHA DESCONHECIDA
O
conto inicia com um homem do povo que foi bater à porta do rei e fazer-lhe um
pedido inusitado que movimenta todas as esferas burocráticas vigentes no
palácio, queria um barco, e não um qualquer, o seu tinha que ser capaz de
navegar mar afora para achar ilhas desconhecidas. O rei, a princípio, não atendeu
a solicitação (primeiro dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o que
queria o impetrante, este chamava o segundo-secretário, que chamava o terceiro,
que mandava o primeiro ajudante, que por sua vez mandava o segundo, e assim até
chegar à mulher da limpeza, a qual não tinha ninguém para mandar), mas dessa
vez foi diferente, o autor do pedido insistiu em permanecer na soleira da porta
das petições por três dias seguidos, então o rei achou melhor sair da porta dos
obséquios e ir pessoalmente resolver o assunto. O homem que queria um barco
estava determinado em alcançar o seu objetivo e foi firme em responder ao rei o
que queria. Aspirantes à liberalidade do trono que por ali andavam e a mulher
da limpeza do palácio espiavam este corajoso homem que deixara o rei
desconcertado, fazendo-o sentar-se na cadeira de palhinha da mulher da limpeza.
Ninguém acreditava que havia alguma ilha desconhecida, pois todas já estavam
nos mapas e pertenciam ao rei, mesmo assim, resolveram intervir a favor do
homem, mais para se verem livres dele do que por solidariedade. O rei
preocupado com o tempo que estava perdendo, concordou em dar-lhe o barco, mas
sem a tripulação.
Assim
que o homem partiu, a mulher da limpeza resolveu sair pela porta das decisões,
que é raro ser usada, e seguir o homem até o porto. Ele nem desconfiava que já
levava atrás de si uma tripulante. Chegando ao porto, pediu que o capitão lhe
desse um barco que ele respeitasse e pudesse respeitá-lo para levá-lo em busca
de sua ilha desconhecida, onde nunca ninguém já tenha desembarcado e que ele
reconhecerá e saberá qual é quando lá chegar. O capitão deu-lhe um barco com
experiência, ainda do tempo em que toda a gente andava a procura de ilhas
desconhecidas. O homem saiu para recrutar a tripulação enquanto a mulher da
limpeza cuidava da faxina do barco. O sol havia acabado de sumir no oceano
quando o homem que tinha um barco voltou para o cais sozinho e cabisbaixo, pois
não encontrou quem quisesse sair do sossego dos seus lares e da boa vida para
se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um impossível. Mas o homem
insistia em alcançar seu objetivo, desejava encontrar esta ilha, sabia que ela
existia, assim como sabe que o mar é tenebroso, apenas não a conhecia, e quando
nela estivesse sairia de si e saberia quem realmente era, porque às vezes, é
necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não sairmos de
nós mesmos.
Os
dois conversavam enquanto comiam a comida que o homem havia trazido, depois
acharam melhor irem dormir. O homem reparou na beleza da mulher da limpeza que
pensava que este só tinha olhos para o barco. Naquela noite o homem ficou a
imaginar se ela já dormia, depois imaginou que estava à procura dela e não a
encontrava e que estavam perdidos num barco enorme.
O
sonho muda às proporções das coisas e a sua distância, separa as pessoas, e
elas estão juntas, reúne-as, e quase não se vêem uma à outra, a mulher dormia a
poucos metros e ele não sabia como alcançá-la, quando é tão fácil ir de
bombordo a estibordo.
Tinha-lhe
desejado felizes sonhos, mas foi ele quem levou toda a noite a sonhar. Sonhou
que a sua caravela ia ao mar alto, abrindo caminho sobre as ondas, enquanto ele
manejava a roda do leme e a tripulação descansava à sombra.
Buscou
com os olhos a mulher da limpeza e não a viu, e ele bem sabia, embora não
entendesse como, que ela, à última hora, não quis embarcar, porque pensava que
ele só tinha olhos para a ilha desconhecida, e não era verdade, agora mesmo os
olhos dele estavam a procurá-la e não a encontravam.
Os
marinheiros resolveram descer na primeira terra povoada que lhes apareceu, o
homem do leme assistiu a debanda em silêncio, não fez nada para reter os que o
abandonavam.
Acordou
abraçado à mulher da limpeza, e ela a ele, confundidos os corpos, e ao nascer
do sol o homem e a mulher foram pintar na proa do barco, em letras brancas, o
nome que ainda faltava dar a caravela. Pela hora do meio-dia, com a maré, A
Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma.
1.4
CRÍTICA SOCIOLÓGICA
Neste
conto da Ilha Desconhecida há momentos de profundidade que aparentam
superficialidade. Os personagens são muito mais uns retratos de suas funções
sociais do que de suas características físicas. Assim, o personagem principal,
o desbravador de ilhas, é caracterizado apenas como o homem que queria um
barco, o homem que tinha um barco ou o homem do leme, e a sua companheira como
a mulher da limpeza, mas no decorrer da história, a aparente simplicidade dos
personagens se contrasta com a profundidade de seus pensamentos. Talvez a
iniciativa de recorrer às funções dos personagens, marcando sua posição
hierárquica, transpareça no enredo como uma articulação necessária para
retratar a sociedade resultante de um sistema marcado pelas desigualdades.
Logo
no início do conto aparece a questão da hierarquia social, que vai do rei (topo
do poder) que estava sempre ocupado na porta dos obséquios porque estes eram
bem vindos, enquanto as petições não eram resolvidas, passa por vários outros
subordinados até chegar à mulher da limpeza, (essa burocracia nos serviços
mostra um governo distante de seu maior objetivo: promover o bem estar do
povo), e no momento em que o homem “manda” chamar o rei, e este atende (mais
por curiosidade), começa um desmantelamento desta hierarquia. Quando o rei,
desconcertado por causa do “atrevimento” do homem, se senta na cadeira de
palhinha usada pela mulher da limpeza, que era muito mais baixa e
desconfortável que o trono, passa a haver uma igualação do rei com um homem do
povo, representado aí pelo homem do barco. O homem estava diante de uma ordem
social pronta para dizer não, mas ele apresentou bons argumentos e, no momento
em que o rei disse que não daria o barco, ele, com firmeza e convicção, falou:
“Darás”. O rei percebeu que aquele homem era como um instrumento que poderia
causar transformações sociais, ainda que primeiro ao plano pessoal, mas,
posteriormente, com uma inclinação perceptível ao coletivo, por isso, diante da
pressão popular e para evitar maiores aborrecimentos, consentiu com o pedido, assim
continuou com a coroa na cabeça, sendo O Rei. O poder de convencimento do homem
em relação à autoridade real foi tão contundente quanto sua certeza da
existência da ilha. Percebemos que para iniciar o processo de descoberta e
transformação é necessário que o homem derrube algumas barreiras, até mesmo
aquelas que parecem estar muito acima dele.
Após
a quebra do obstáculo da posição social vem a parte mais difícil de sua
jornada: a busca da ilha desconhecida. Saramago, através desse conto faz uma
metáfora da necessidade de fazermos a nossa própria viagem em direção a nós
mesmos, traz o passado até nós, lembrando o período das grandes navegações para
representar o sentido das descobertas humanas, a busca de si mesmo, de seu
mundo interior, ir onde nenhum outro jamais esteve e descobrir verdades
profundas escondidas na alma. E seja lá onde se consegue ir, mesmo se a viajem
for bruscamente interrompida pela morte, a algum lugar se chegou.
“Sim,
às vezes naufraga-se pelo caminho, mas, se tal me viesse a acontecer, deverias
escrever nos anais do porto que o ponto a que cheguei foi esse, Queres dizer
que chegar sempre se chega,...” (SARAMAGO, 1998, p.27).
O
homem do barco procurou ajuda de marinheiros, mas ninguém quis ajudá-lo, porque
sair de suas vidas tranquilas e se meter à procura do “impossível”, enfrentar o
mar tenebroso, é tarefa difícil, é necessária muita coragem e obstinação para
ser um aventureiro que desbrava novas terras. Mas ele conta com a ajuda de uma
mulher (a mulher da limpeza), que resolve sair do palácio pela porta das
decisões e passa a acompanhá-lo nesta busca. “Pensou ela que já bastava de uma
vida a limpar e a lavar palácios, que tinha chegado à hora de mudar de ofício,
que lavar e limpar barcos é que era sua vocação verdadeira, no mar, ao menos a
água nunca lhe faltaria” (SARAMAGO, 1998, p.24).
Já
sabia ela que precisamos estar longe de nós mesmos para podermos enxergar
melhor nossa natureza, e que só assim venceremos os obstáculos do caminho
humano, por isso troca sua rotina enfadonha por uma viagem poética em busca de
seus sonhos A obsessão do homem contagia de forma simplista a sensibilidade
feminina.
Também
é apresentado no texto um processo de recomeço e de renovação, no qual aparece
o sonho não como um sonho qualquer, mas nos mostrando que é preciso navegar para
além do real, resistindo às adversidades para que nos tornemos aptos para obter
a concretização deste sonho e possamos ancorar em porto seguro.
Todos
estes fatores que vão das adversidades até o “navegar para o além do real”
permite a aproximação entre o “homem do barco” e a “mulher da limpeza”,
“Acordou abraçado à mulher da limpeza, e ela a ele, confundidos os corpos”
(SARAMAGO, 1998, p.62), pois do sonho surge o amor, e do amor à força para
enfrentar os pesadelos. A partir daí os dois passaram não somente a fazer
descobertas exteriores, mas foi o começo da descoberta de si mesmo.
Sabiam
eles, agora, que um completaria o outro, que a compreensão das verdades mais
profundas, escondidas na alma (como uma ilha) seria possível.
Tanto
assim é, que eles nomearam o barco que o rei lhes havia dado de “Ilha
Desconhecida”, e esta se lançou enfim ao mar, a procura de si mesma, mostrando
que ainda havia muitas descobertas a serem feitas.
CONCLUSÃO
O
homem vive uma eterna busca por melhores condições de sobrevivência, e muitas
vezes criamos necessidades artificiais, mudando o foco e o sentido de nossas
vidas. Este texto permite-nos refletir sobre nossa conduta e a dos outros
frente às necessidades e adversidades, dando-nos condições de nortear nossa
vida em sociedade, pois percebemos que não há um tempo determinado para
encontrarmos o lugar desejado, só precisamos da resolução de que podemos ir ou
ficar e, às vezes, precisamos sair de nós mesmos para encontrarmos o tão almejado.
O
lançar-se ao mar para navegar é o avançar para vida, buscando alcançar seus
objetivos e metas, às vezes tão próximas, contudo, não enxergamos por nossa
incapacidade pessoal de percepção do desconhecido.
O
texto sugere a formação de uma identidade aberta que é percebida como
possibilidade de criação de novas identidades, produzindo sujeitos capazes de
articular um processo coletivo, que reclama por transformações sociais num
futuro indefinido.
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